domingo, agosto 02, 2009

Morreu M. S. Lourenço

Leio no Público, nas Últimas Notícias, que morreu ontem, 1 de Agosto de 2009, Manuel Lourenço, meu professor de Lógica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi um professor excepcional. Rendo-lhe homenagem e aqui deixo o meu testemunho desse tempo:

Foi em pleno PREC, entre o Verão quente de 1975 e o 25 de Novembro,

que Manuel Lourenço começou a leccionar na Faculdade de

Letras. Vinha da Califórnia e o seu visual era o de um hippie. Parecia

o John Lennon de Yoko Ono, de barba e cabelo compridos, com

óculos de aros redondos. Vestia uma camisola interior branca, jeans

rotos e remendados, e trazia dependurado de um ombro uma sacola

de pano. No meio de um ambiente revolucionário de tintas marxistas

e de escaramuças entre UECs e MRPPs, Manuel Lourenço era a

imagem rediviva de Woodstock.


Sempre assíduo e pontual, numa época em que os professores

faltavam imenso, e quando vinham era geralmente com muito atraso,

Manuel Lourenço dava 3 vezes por semana a sua aula de lógica de

uma hora. Trazia sempre a matéria escrita em 3 a 6 folhas A4, que

copiava para o quadro negro. Nós copiávamos as fórmulas atrás de

fórmulas que ele ia escrevendo a giz com a mão direita e apagando

com a esponja na mão esquerda. Ao mesmo tempo ia ditando em

voz alta aquilo que escrevia. Não havia tempo para conversas revolucionárias

ou de outro tipo, como era usual na época, era apenas

a lógica matemática. No final da aula cedia-nos as folhas A4 para

fotocopiarmos. São essas fotocópias que mandei encadernar sumptuosamente

depois e que constituem hoje um dos meus tesouros

bibliográficos. O primeiro volume, o curso de 75-76, compreende

169 páginas e o segundo, o de 76-77, 269 páginas. Coloco aqui uma

imagem da metade superior de uma folha do 1. volume.


(ver pdf linkado no final do texto)


Se a cadeira tinha ao princípio muitos alunos, depressa deixou de ter.

Passadas algumas aulas ficámos reduzidos a um núcleo de dez pessoas.

Penso que fomos menos de meia dúzia a terminar Lógica II. A

aridez e o esforço eram demasiada areia para as almas revolucioná-

rias dos estudantes. Foi logo no ano seguinte que houve uma revolta.

A cadeira de Lógica I passou a obrigatória e os estudantes eram

tantos que era leccionada no Anfiteatro I. Aí rejeitaram em peso a

lógica capitalista que Manuel Lourenço lhes queria ensinar; desejavam

sim uma lógica revolucionária. O comentário de Lourenço à

reivindicação massiva dos alunos foi de que a lógica ensinada na

União Soviética era a mesma dada nas universidades americanas.

Creio que rapidamente deixou de ensinar essa disciplina obrigatória.


(...)


Ora foi logo no decorrer de 1976 que começou a correr entre os

alunos de Lógica I o poema de M. S. Lourenço, publicado na revista

Colóquio Letras de Janeiro desse ano, intitulado “O Sutra de Patricia

Rimpoche”. Cito aqui alguns versos que à época nos entravam

pela alma dentro e faziam de pelo menos alguns de nós autênticos

admiradores do nosso professor de lógica.


(...)

O choque da inspiração global,

A descarga contínua da corrente,

Rasga o cérebro em carne viva.

Instantânea, pois, a descoberta.

Mas o milagre é cagar de manhã,

Espontâneo, e limpar o cu à relva.


Tal como os dois últimos versos citados tinham o condão de se

incrustar indelevelmente na memória, toda a poesia encarnava o

espírito Siddahrta que à época fascinava os jovens. Tinha 20 anos

e esta junção de lógica matemática e de poesia era verdadeiramente

inebriante. Fazendo lógica, treinando cálculo proposicional,

estudando os teoremas de Gödel, e lendo poesia obtinha-se uma

sensação de eleito, qual jovem admitido na escola em que se aprendia

O Jogo das Pérolas de Vidro, livro de Herman Hesse que então

circulava entre alguns estudantes de filosofia como segredo e sinal

da mais alta exclusividade intelectual.


Retirado do capítulo "Lógica e Poesia com M. S. Lourenço"

segunda-feira, junho 22, 2009

A3ES, ou seja, Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior

Passou despercebida de muita gente do meio académico a entrada em funcionamento da A3ES. O ofício de 29 de Maio de 2009 do Director Geral do Ensino Superior enviado ao Presidente do CRUP tem como Assunto: Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior - Entrada em Funcionamento.
Em que consiste de facto essa entrada em funcionamento? Que a acreditação prévia de qualquer curso de licenciatura, mestrado ou doutoramento carece de parecer desta nova entidade.
A Agência que continua sem página na Internet (pelo menos na pesquisa do Google e do Bing e no ofício do Sr. Director Geral) tem a seguinte morada:
Rua D. Estefânia 195 - 5D E, 1000·155 Lisboa
Numero de telefone: 00 351 21 3511690
Numero de fax: 00 35121 3511691
e-mail: a3es@a3es.pt
Esperemos que a A3ES, liderada pelo Prof. Alberto Amaral, entenda as vantagens da Internet e rapidamente coloque a página institucional online. Para que quem seja avaliado e acreditado tenha acesso aos critérios da actuação da toda poderosa agência.

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quarta-feira, setembro 06, 2006

Vasos Comunicantes e conhecimento

Segundo a lei dos vasos comunicantes um líquido atingirá a mesma altura em cada um dos vasos que comunicam entre si. Em princípio, nada mais “líquido” que o conhecimento. Com efeito, uma das características básicas de um líquido face a um sólido é a faculdade de entrar em qualquer recipiente, tomando a forma deste. Ora o conhecimento pode passar-se a qualquer pessoa, em qualquer altura, de muitas formas, escritas, orais, individual, em grupo. Assim, quem circula entre os que sabem, quem comunica com eles, deverá entrar, no que ao conhecimento diz respeito, numa lógica de vasos comunicantes. Quanto mais conhecimento entrar num vaso, mais isso se repercutirá, beneficamente, nos outros vasos, dado que tenderá a haver um equilíbrio de conhecimento em todas as pessoas que fazem parte do sistema de comunicação.

Acresce a este princípio geral que nunca como hoje a comunicação de conhecimento entre as pessoas se aperfeiçoou a um ponto não há muito considerado inimaginável. Os sistemas de ensino universalizaram-se, a escolaridade é obrigatória, os professores abundam, as bibliotecas estão em toda a parte, os livros são proporcionalmente ao nível de vida cada vez mais baratos, quem tem acesso à Internet pode consultar agora uma infinidade de documentos, nas melhores bibliotecas e universidades do mundo.

Dito isto, coloca-se uma pergunta simples. Se o conhecimento é tão fluido como explicar o tremendo desnível de conhecimento que se verifica entre pessoas, escolas e países? A explicação é bem simples. Enquanto no caso dos líquidos os recipientes são passivos, no caso do conhecimento os recipientes são activos. O conhecimento felizmente não é algo que se mete e se tira de uma pessoa, mas algo que a pessoa adquire, assimila, altera à sua maneira. Não basta criar assim condições excelentes de transmissão de conhecimento, escolas, bibliotecas, professores. Mais fundamental que tudo o resto é preparar as pessoas enquanto membros de uma comunidade de conhecimento para aproveitar as oportunidades extraordinárias de adquirirem conhecimento. Invista-se menos nos meios, e mais no espírito e na cultura, no modo de ser das pessoas. Mais importante que o melhor sistema de ensino é a curiosidade, a apetência pelo conhecimento, que uma cultura inculca nos seus jovens.

quinta-feira, julho 27, 2006

Avaliação. Dois pássaros a voar

Adriano Moreira demitiu-se do cargo de presidente do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CNAVES) e com ele demitiram-se os 6 vogais. A razão é o incumprimento do compromisso governamental: "Há um programa de avaliação para 2006, que foi aprovado pelo Governo em 2005. Contudo, não recebemos o financiamento previsto".

O CNAVES era o pássaro que tínhamos na mão e que Mariano Gago deixou literalmente morrer à míngua. Os pássaros a voar são a Agência Nacional de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, " um modelo que poderá futuramente ser acreditado pela Agência Europeia."

terça-feira, julho 18, 2006

Anedotas académicas, para rir e chorar

É uma anedota que um curso de Enfermagem em Portugal tenha uma nota de entrada superior a um curso de Engenharia. É uma anedota que um curso claramente politécnico, o de Turismo, Lazer e Património, seja um dos cursos de maior procura na vetusta Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. É uma anedota que o curso de Engenharia Têxtil, o curso mais antigo da UBI, numa região de tradição e de indústria têxtil, feche por falta de alunos. É uma anedota que cursos de Engenharia admitam alunos sem a prova específica de Matemática ou de Física. É uma anedota que alunos de cursos superiores na área de Letras dêem erros ortográficos. É uma anedota que em tempos de racionalização da oferta educativa a Universidade de Aveiro abra o curso de licenciatura em Ciências do Mar quando a Universidade do Algarve tem dificuldade em captar alunos para os cursos da sua Faculdade de Ciências do Mar. É uma anedota que os alunos tenham a mesma representação que os professores nos órgãos colectivos das universidades, Senado e Assembleia da Universidade. É uma anedota que sejam só os alunos de graduação (licenciatura) a estarem aí representados, ficando de fora os de mestrado e doutoramento. É uma anedota que o Ministério da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior legisle abundantemente sobre o ensino superior e estejam ainda em vigor diplomas obsoletos, mas fundamentais, como a Lei da Autonomia das Universidades e o Estatuto da Carreira Docente Universitária. É uma anedota que o Governo seja o primeiro a desrespeitar as leis que ele promulgou, como a do Lei do Financiamento do Ensino Superior.
Aceita-se a indicação de mais anedotas.

quinta-feira, julho 13, 2006

Trabalho duro nas escolas

O artigo vem no New York Times, versão online, de 27 de Junho de 2006 e é da autoria de Nicholas D. Kristof e tem como título “Medicina chinesa para as escolas americanas”. Qual é essa medicina? Trabalho duro. Nas escolas chinesas os alunos estudam literalmente de manhã à noite, sem tempo para ver televisão e revendo nas “férias” do Verão as matérias leccionadas ao longo do ano lectivo de forma a não ter de reaprender tudo em Setembro.

A China educa 20% da população estudantil mundial com 2% dos recursos mundialmente destinados à educação. Há um currículo rigoroso de estudo em matemática e em ciências, imposto pelo governo. Todos os estudantes do secundário estudam biologia aprofundada e análise matemática, enquanto nos Estados Unidos apenas 13% dos alunos do secundário estudam análise e 18% biologia aprofundada.

O segredo ou a explicação da coisa, segundo Nicholas Kristof, é simples: os estudantes chineses têm muito mais horas de estudo, dentro e fora da escola, do que os seus colegas americanos; em média estudam o dobro. Alunos do 9º ano, de 15 anos, passam o dia inteiro a estudar. Aponta o caso de uma aluna, cujo pai lhe permite ver 10 minutos de televisão ao fim da tarde, nas férias de verão.

O governo chinês leva a educação a peito, mas muito mais a levam as famílias e os jovens estudantes chineses. É que esse é o meio para singrar na vida. A televisão é uma perda de tempo, e os jovens têm é de trabalhar arduamente na escola. Na América é diferente, em média as crianças americanas passam 900 horas por ano na escola e 1023 em frente ao televisor.
Em Portugal preocupamo-nos com a concorrência chinesa em produtos industriais, sobretudo no têxtil. Falamos das condições de trabalho em que muitos dos produtos chineses são fabricados. Porém, muito mais preocupante do que isso é a preparação escolar, árdua que os estudantes chineses têm e os estudantes portugueses não têm.

Mas não é preciso ir à China de hoje para ver que as políticas educacionais que vingaram no Ocidente, do aprender a brincar e sem esforço, nos conduziram ao descalabro no ensino. Um estudante universitário hoje em Portugal dá erros ortográficos, inadmissíveis num aluno da 4ª classe há quatro décadas atrás. E fala-se agora em Portugal – ministerialmente!! – em acabar com os trabalhos de casa. Deus nos ajude a entender.

terça-feira, março 07, 2006

Por Outro Lado

Nuno Crato foi ontem à noite entrevistado por Ana Sousa Dias, a propósito do seu mais recente livro - O Eduquês -, sobre Educação e outros milagres. Quem perdeu -- e trata-se de uma verdadeira perda -- pode tentar as repetições:

Quarta 08 de Março - 12:45

Terça 07 de Março - 15:00

Sexta 10 de Março - 01:05

Sexta 10 de Março - 01:05


domingo, março 05, 2006

Ideias para o debate de Bolonha e suas reformas

João Sousa Andrade, Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, escreve sobre Bolonha no DN.

Portugueses queixam-se de discriminação

O caso não é novo, e não é só do Canadá que têm surgido queixas do género.
Mas compreende-se. Não respondem ao Pisa, e não arruinam a curva de Gauss.

terça-feira, fevereiro 28, 2006

Being rated


O tema não é novo, e já aqui foi tratado. Entretanto, é assustador entrar aqui, ou aqui, e fazer browse, em diagonal, sobre alguns comentários («She expects you to read every day & brief your cases», como escandalosa razão de queixa sobre um docente de uma faculdade Direito, por exemplo). De qualquer modo, a imagem pimba da própria homepage, diz tudo.
Suspeito que não deve tardar muito até os entrepreneurs portugueses importarem a ideia. (Cartoon roubado em 2ª mão daqui)

segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Os professores e o ensino num mundo em mudança


World Education Report 1998 - Teachers and Teaching in a Changing World:

1 Introduction
2 The changing status and profile of teachers
3 Teaching contexts and pressures
4. Teachers, teaching and new technologies
5. Appendices

This edition of the Report focuses on the world’s 57 million teachers. It reviews global trends and developments in education and educational policies affecting teachers, their status and work, and their education and training. The difficult situation facing teachers in the world’s poorest countries is highlighted, as well as the emerging challenges for teachers and teaching posed by the introduction into education of the new information and communication technologies.

Teachers have a pivotal role to play in preparing the young generation to help realize our hopes that the coming century will see a more socially just, more tolerant and more peaceful world. Their situation merits the closest attention of all who wish to leave such a world to our children’.