terça-feira, janeiro 17, 2006

Endogamia V - Lei e mentalidades

O artigo do João Vasconcelos Costa "A endogamia, um tema em foco" constitui um importante contributo ao debate havido aqui neste blog sobre o tema, desencadeado pelo artigo de João Cravinho, e fá-lo de modo substantivo, sustentado num saber de experiência/reflexão feito (modo esse peculiar ao autor do sítio-web de referência Reformar a Educação Superior).

Concordo com JVC que "a endogamia é principalmente uma manifestação da cultura corporativa universitária e não acredito que as culturas mudem por decreto, muito menos por decretos com um único e linear artigo." Mas também acho que para um índice tão elevado de endogamia universitária como o que se regista em Portugal, uma lei anti-endogamia -- mais diferenciada que a proposta pr João Cravinho -- seria um meio de promover a necessária cultura de mobilidade universitária.

Não sei se há na Alemanha (país onde estudei alguns anos, em graduação e pós-graduação) uma lei a proibir as universidades de contratarem quem nelas fez a Habilitation, o grau subsequente ao doutoramento e que dá acesso à carreira professoral, nem se há alguma proibição de um professor fazer a progressão da carreira docente dentro da sua universidade, de auxiliar a catedrático. Sei sim que lá é uso e costume que qualquer passo da careira académica esteja ligado a uma mudança de universidade. A presunta lei Cravinho poderia ser alargada à carreira académica: "ninguém poderá fazer carreira na própria universidade", significando que quem quisesse passar de auxiliar a associado, e depois a catedrático, teria de concorrer ao lugar de uma outra universidade.

É evidente que o peso da história conta muito aqui. O monopólio universitário de Coimbra até à República (1910) obrigava à endogamia, e dava mesmo azo às dinastias de catedráticos. Em contrapartida, a Alemanha tem há séculos dezenas e dezenas de universidades. Mas a realidade em Portugal alterou-se, como escreve Tito Cunha, e seria bom agora estimular a mobilidade e adquirir os hábitos dos países com mais experiência e tradição universitárias. Não é normal achar-se normal que alguém se licencie, faça o mestrado, o doutoramento, e toda a carreira docente até catedrático, na mesma universidade!

Tudo começa com a falta de mobilidade dos estudantes universitários em Portugal. Um dos critérios fundamentais de escolha de curso e de escola é a proximidade ao lar paterno/materno, passando o critério da qualidade dos cursos (verificada pelas avaliaçãoes do CNAVES e pelos processos de acreditação das ordens profissionais) para um plano secundário. Depois não existem programas de intercâmbio universitário nacional. Os estudantes portugueses de graduação podem passar um ano fora do país e são financiados para isso, mediante os programas Erasmus, mas não há qualquer estímulo a passarem um semestre ou um ano lectivo numa outra universidade portuguesa, ao contrário do que se passa noutros países.

Ao argumento de que não se muda para pior, isto é, de que quem está no melhor curso ou na melhor escola não lucra nada em passar um tempo num curso ou numa escola pior, responde-se facilmente. Primeiro, o melhor é de natureza relativa e tem de ser continuamente verificado e confirmado. O que por vezes se tem como o melhor pode resultar da fama adormecida e não da realidade viva. Em segundo, a diversidade é em si um bem e conhecer o diverso é indispensável à educação superior.

A cultura da imobilidade é o chão em que medra a endogamia. Ora a mobilidade tem duas vertentes, a entrada e a saída. A endogamia nos departamentos universitários é fruto também de fechamento na saída. Admitir é fácil na carreira docente, mas demitir é dificílimo (nem só por motivos legais, mas também pelo porreirismo nacional que leva à tolerância de medíocres e incompetentes). Quem contrata tenta assim correr o menor risco nas admissões e jogar pelo seguro seleccionando os candidatos que conhece. Por isso, razão tem João Vasconcelos Costa quando no texto sobre endogamia refere a questão da nomeação definitiva e a considera mesmo como "o momento decisivo da luta contra a endogamia." A nomeação definitiva constitui o momento de prova (de confirmação ou de negação) da selecção e da aposta feita no processo de admissão. Quanto maior for a possibilidade de corrigir uma selecção feita, tanto maior será a capacidade de opção por um candidato externo.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Caro António Fidalgo,

A nomeação definitiva, tal qual está, não é um momento de selecção. Daí que não corresponda nem a uma prova nem a um concurso.

A nomeação definitiva pode suceder em qualquer fase da carreira de um professor, estejamos a falar de um professor auxiliar, associado, mesmo catedrático.

Estas duas razões, fazem-me concluir que mais vale procurar não aproveitar a nomeação definitiva para combater a endogamia. Fazê-lo é pensar nos termos de um ECDU que, no pensamento de quase todos, carece mesmo de uma reformulação.

Fora estes considerandos, não me parece uma boa medida concentrar a luta contra a endogamia num momento crítico, ou decisivo. Antes deveria ser uma prática permanente em todas as etapas da carreira.

Não obstante discordar da ideia de que é na nomeação definitiva que se poderá resolver alguma coisa, estou de acordo com a pretensão de que haja mais um momento de selecção na carreira, entenda-se de selecção com possibilidade de eliminação.

A fim de contrapropor algo que vá nesse sentido, sugiro que se pense numa redefinição da carreira.

Eis uma proposta :

1. começar a carreira com professor auxiliar (salvaguardando a possibilidade de contratar assistentes convidados, c/ contratos a prazo, de 1 e 3 anos, e sem qualquer compromisso, mesmo c/doutoramento feito, quanto ao ingresso na carreira)

2. ao fim dos cinco anos de auxiliar, prestam-se provas (vejo-as como uma espécie de tese de habilitação + avaliação curricular) com júri internacional a fim de se passar a professor associado. Não se trata de um concurso, nem de uma prova voluntária. Parece-me, por isso, suficientemente selectiva.

3. A associação garante a nomeação definitiva.

A ideia geral, como se depreende, é que as pessoas encarem a associação/habilitação com a mesma seriedade com que encaram o doutoramento.

Ab

PS: É claro que isto é uma proposta tentativa. Parece-me mais fácil pensar com propostas.

terça-feira, janeiro 17, 2006 12:11:00 da tarde  

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