Post enviado por André Barata
Para resolver a endogamia universitária
-- Réplica à proposta do Eng. Cravinho1. Sobre os malefícios da endogamia universitária, o problema reside não tanto na endogamia propriamente dita, quanto naquilo a que esta se presta, a saber, a ocasião para ganhos de poder (para quem está em posição disso) pelo facto de não terem sido prevenidas, nas instituições de ensino superior, possibilidades de interferências entre o plano da prestação de provas científicas e o plano do ingresso e progressão nas carreiras.
Não fora a existência efectiva destas possibilidades de interferência, e a endogamia, enquanto tendência, perderia grande parte do seu sentido. Esta, na verdade, mais não faz do que quotidianizar o que aquelas propiciam. E não é pouco o que assim se propicia: a garantia, por exemplo, de que os professores que podem orientar dissertações terão, por orientandos, alunos que os escolhem, não por razões essencialmente científicas, mas por acontecer estarem, na qualidade de docentes, na sua dependência. E isto pode contar favoravelmente para ambos, no que classificaria como uma espécie de compromisso prático: da parte do aluno/docente conta pelo facto de lhe importar, enquanto docente, convencer a hierarquia de que tem qualidades; da parte do professor que orienta conta, naturalmente, para o seu cv, mas também, caso esteja nessa disposição, para coarctar infidelidades científicas a quem, seja encarado como aluno ou como docente, pode valer sobretudo como seu prosélito.
2. Propor como o Eng. Cravinho que nenhuma universidade pública possa recrutar um seu recém-doutorado para o seu corpo docente não resolveria o problema da endogamia. Imagino facilmente presidentes de dois departamento ou de duas faculdades "amigas" a combinarem colocações temporárias de recém-doutorados, para, depois, passado o período de nojo, se recompor a situação, como se, ao fim e ao cabo, não mais do que fazer uma espécie de estágio se tratasse. Na verdade, "só" mais um adiamento, antes de se poder começar realmente a trabalhar. É claro que posso suspender esta desconfiança e supor que, num mundo bem intencionado, a solução proposta pelo Eng. Cravinho resolveria certamente o problema. Mas não é menos certo que traria outros problemas que eu não desejaria ter de enfrentar. Por exemplo, o simples facto de, uma vez obtido o grau de Doutor, um investigador se ver privado da possibilidade de trabalhar na instituição que o formou revela uma arbitrariedade inadmissível. Tanto mais quanto é razoável presumir que tendam a coincidir as suas preferências quanto à instituição de formação e quanto à instituição na qual fará, se chegar a fazer, a carreira. A arbitrariedade não está, pois, apenas em se eliminar um cenário possível, mas em se eliminar o preferível. A reforçar este ponto é preciso que se diga que os juízos de preferência fazem muito sentido num pequeno país como Portugal. Não é raro suceder, no nosso meio nacional, só uma instituição deter determinado campo científico, e mesmo quando há duas, três ou meia dúzia também não é raro só uma estar em condições de contratar formandos. Ora, seria, no mínimo, tolo pensar como aceitável que essa instituição se devesse obrigar a excluir das candidaturas para um lugar de docente e/ou investigador os seus melhores ex-alunos ou, para falar realmente de pessoas, aquelas em que mais investiram ao longo de anos, aquelas em que a cultura da escola é um valor, aquelas que se querem como discípulos e continuadores de uma obra em curso (o que não é, obviamente, para ser confundido com o proselitismo atrás denunciado). Importa, enfim, nestes, como noutros assuntos em que estão em causa! os modos de vida de pessoas, instituições, até mesmo de culturas, lembrar que o voluntarismo pode conduzir facilmente ao desastre. Como estas, que já me bastam, muitas outras me levam a declinar a bondade da proposta do Eng. Cravinho, não obstante, claro está, a bondade das suas intenções. Todos sabemos o que se reza nesta situação - de boas intenções...
3. Que fazer então? A solução para enfrentar o problema parece-me simples, desde que pensada com cautela. Sugiro que se adopte uma pequena legislação, cautelosa mas à mão da capacidade de iniciativa de qualquer instituição. Dessa pequena legislação, constam três pontos, que ponho à consideração:
I. A orientação das dissertações com vista à obtenção do grau de Mestre ou de Doutor não pode caber exclusivamente a docentes da instituição.
II. A frequência lectiva nos cursos de Mestrado e de Doutoramento não pode ser integralmente cumprida na instituição que confere o grau.
III. Os detentores de cargos executivos (Reitor, Vice-reitores, Presidentes de Faculdade e de Departamento) não podem, no exercício dos seus mandatos, desempenhar as funções de orientador de dissertação.
Talvez saiba a pouco, mas estou convencido de que seria o suficiente para limitar grandemente as possibilidades de interferência entre a avaliação científica de um formando e a gestão, digamos assim, das carreiras universitárias dos orientandos e dos orientadores. Como bónus, traria ainda uma maior circulação de pessoas na gestão universitária. Por fim, como última vantagem, o que proponho é, tanto quanto me aperceba, imediatamente exequível - diria que fazê-lo é mesmo apenas uma questão de vontade, hic et nunc.